Já ouviu falar em Grade Orquestral ou Grade do Maestro? Você sabe se existe alguma diferença entre a partitura do maestro e a dos músicos?
O artigo de hoje traz um panorama geral sobre a estrutura das partituras e quais as diferenças entre a grade de um maestro, partituras individuais dos músicos (instrumento a instrumento) e o lead sheet, que em tradução livre para o português, seria “parte guia”, também referida como melodia cifrada.
Grade orquestral
A grade do maestro é a partitura mais completa de todas. É onde todos os instrumentos estão grafados, é através dela que o regente sabe o que de acontecer em uma determinada música, ou seja, saiba tudo o que cada instrumento devem tocar. Ela é utilizada para estudo pré concerto, nos ensaios, e no momento da apresentação (a menos que o maestro deseje apresentar de cor). É a partir das informações da grade que ele sugere ajustes de interpretação e faz comentários para refinar a performance dos músicos. Durante os ensaios e concerto, é como um lembrete do que deve acontecer na música, especialmente a considerar que obras orquestrais geralmente tem uma forma alongada e complexa, com poucas repetições.
Portanto, a grade é onde o maestro consegue visualizar facilmente a relação entre os instrumentos e analisar a peça para uma melhor interpretação. Dessa maneira ele tem um guia para liderar melhor a orquestra, tudo de acordo com a obra apresentada e sua visão artística.
Uma curiosidade é que apesar de geralmente ser impressa em papel maior do que o padrão dos músicos, ela geralmente tem as escrituras em fonte reduzida para que possam caber as partes de todos instrumentos em uma mesma página – uma linha dedicada a cada parte.
Veja abaixo uma página da grade orquestral completa original de Danças da Quarentena, escrita para orquestra online híbrida.
Assista ao vídeo abaixo se quiser ouvir a gravação relativa a essa partitura (essa página em particular é referente ao trecho 1:23 - 1:43).
Grade reduzida
Existem também versões reduzidas da grade, seja ela onde todos os instrumentos do mesmo tipo são representados em um mesmo pentagrama – exemplo: flautas 1 e 2 –, ou uma redução de piano, onde é possível visualizar (quase) todas as linhas tocadas em somente dois pentagramas – da mesma maneira que se escreveria para o piano –, sem distinção de instrumentação.
Essas grades reduzidas são muito úteis no caso de orquestrações muito grandes, ela facilita a leitura do maestro. Ela serve também para análise musical, acelerando questões de leitura relacionadas à transposição e harmonia.
No meu curso de “Processos Criativos”, por exemplo, eu utilizo todos esses tipos de grades orquestrais durante o processo de análise com meus alunos. A grade completa é utilizada para observar a orquestração em detalhes, enquanto a grade reduzida facilita a análise dos eventos musicais, melodias, harmonia e forma.
Veja abaixo dois exemplos de grades reduzidas: primeiro uma redução simples em duas partes de piano com adição de uma parte extra para sessão rítmica popular, depois uma grade completa reduzida em naipes.
EXEMPLO 1
EXEMPLO 2
Lead Sheet / Parte guia
O lead sheet, comumente usado na música popular, também funciona como um guia geral da música, da estrutura base de uma composição. Geralmente tem o formato de uma melodia cifrada com a ocasional adição de linhas que sejam importantes para a composição, a exemplo de uma introdução, linha de baixo ou contracanto.
Esse tipo de partitura, alem de ser um ótimo guia para o entendimento da música, é utilizado por músicos que tem o hábito de improvisarem aspectos de suas partes. Nesse contexto, a partitura é como uma espécie de mapa que todos os músicos da banda têm acesso. Através dele cada um cria e toca sua parte, de acordo com a função do seu instrumento.
É comum também que em grupo de música popular e jazz os próprios intérpretes façam pequenos arranjos colaborativos com base nessa parte guia. Nesse caso os integrantes do grupo decidem durante ensaio alguns parâmetros de arranjo: vai ter alguma introdução? Quem vai tocar a melodia? Vai ter solo improvisado? Quem vão ser os solistas? Como a música vai terminar?
Muitas dessas decisões podem acontecer durante a própria performance, de acordo com a sensibilidade de cada músico em ler o contexto e reagir ao que os outros músicos do grupo estão tocando.
No meu curso de “Processos Criativos” – por exemplo – eu incluo o lead sheet da mesma música analisada através da grade. Desta maneira, os alunos podem observar a composição em sua forma mais simples e estrutural. A partir daí, eles conseguem entender o que foi feito durante o processo de arranjo e orquestração, resultando na grade completa do maestro.
Veja abaixo a primeira página do lead sheet de Danças da Quarentena.
Partitura dos músicos / Partes individuais
Em composições com instrumentações maiores - como orquestras e big bands por exemplo -, o criador da obra prepara as partituras individuais dos músicos, com tudo que cada um vai tocar, nota a nota. Nela também são inseridas as informações sobre interpretação, duração de pausas e, às vezes, até linhas guias de outros instrumentos, para que o instrumentista consiga seguir a forma da música com maior facilidade.
Em oposição aos outros tipos de partitura citados anteriormente, cada músico tem sua parte individual, focada somente em seu instrumento. A entender que é esperado que, além de ler sua partitura individual, cada músico esteja atento ao todo e que responda auditivamente em contexto.
Voltando a questão central deste artigo, qual a diferença entre a partitura do maestro e dos músicos da orquestra?
Enquanto cada instrumentista está focado em sua parte, o maestro acompanha tudo que está acontecendo ao mesmo tempo, corrige erros, é responsável pela direção artística e unifica a interpretação. A grade orquestral (e o estudo/análise prévio dela) é essencial para que ele possa cumprir suas responsabilidades com maestria.
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Sobre o autor
Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.
Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).
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