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O Autodidata Musical: Entre o Mito e a Realidade do Estudo de Música

Atualizado: 12 de jul. de 2023

Você já ouviu alguém dizendo orgulhosamente algo do tipo: “eu aprendi isso sozinho” ou “ninguém me ensinou isso”?


Pois é, não é incomum ouvir isso nos mais diversos meios! Algumas pessoas pensam que se alguém “não precisou de um professor”, esta pessoa é melhor do que as outras.


Mas, afinal de contas, isso é mito ou realidade?


Proponho aqui alguns pontos para reflexão!



Mito: o artista nasce sabendo

Um dos grandes mitos sobre o aprendizado musical é de que o artista nasce sabendo e que não precisa de ajuda para se desenvolver. Essa concepção ingênua e infantil é fundamentada na fantasia e no desejo de possuir habilidades sobre-humanas; a ideia de que certas pessoas nascem com habilidades extraordinárias. Esse pensamento é uma espécie de negação da realidade, minimizando o valor do esforço individual na busca pela excelência; ao mesmo tempo que servindo como desculpa para a falta de resultados de alguns e como "medalha de honra" para o ego de outros - aqueles que se vangloriam por terem desenvolvido certas habilidades sem um professor direto.


Não podemos negar que existam pessoas com uma certa propensão para algumas áreas, uma espécie de talento nato. Mas, devemos entender que isso deve ser sempre pareado com dedicação, estudo e um guia. Além disso, um bom mestre pode facilitar e potencializar imensamente o processo.


Ponto positivo: referências como guia

No caso de um músico autodidata, o guia são as referências. É inegável que essa busca pelas informações e modelos direto na fonte pode ser muito positivo. O aprendizado é baseado em ouvir gravações, assistir vídeos de performances e ir a concertos. O estudo também tende a ser mais prático; o autodidata foca sua energia em experimentar o instrumento e tentar tocar imitando as referências, tudo em um processo de tentativa e erro. Através dessas práticas desenvolve-se o lado da percepção, observação e incorporação, habilidades extremamente valiosas para todos os músicos.


Perigo: falta de técnica e teoria musical

Mas, existe uma série de perigos em ser totalmente autodidata. Um destes possíveis problemas é a consequência de incorporar maus hábitos.


Se pensarmos em alguém que queira tocar um instrumento, sem uma instrução apropriada, pode-se desenvolver – por exemplo – uma embocadura errada (no caso de um instrumento de sopro) ou uma postura inadequada. Estes problemas podem se tornar um peso na sua história e levar muito mais tempo para serem consertados depois.


Elemento limitador: um universo musical restrito

Quando aprendemos de maneira autodidata, a tendência é ficarmos limitados por aquilo que enxergamos e, geralmente, restritos em um determinado universo musical. Muitas vezes, o músico toca um instrumento determinado e foca 100% nele. Se este músico gosta de um estilo específico, pode ser que ele não se abra para outros gêneros.


De um lado, isso pode ser proveitoso; o músico pode se tornar um especialista naquele gênero ou instrumento. Mas, ao mesmo tempo, esse universo musical restrito pode fechar uma série de portas para outros projetos.


Uma formação musical mais completa

Acredito que um músico que aprende em um ambiente propício para a educação pode fazer escolhas artísticas mais conscientes e tende a ser um músico mais completo.


Esse estudo de música em um ambiente educacional apropriado geralmente inclui o acesso a diversos professores, colegas e aos trabalhos que eles realizam. Cria-se um espaço propício para experimentação, com direcionamento de mestres, e exposição a uma variedade de possibilidades artísticas e técnicas. Além disso, o aluno acaba estudando uma série de coisas que darão uma base sólida para seu fazer artístico. A tendência é que isso gere grande flexibilidade a médio e longo prazos, abrindo uma série de portas.


Vou me utilizar como exemplo: o fato de ter estudado uma variedade de matérias com diferentes mestres ao longo dos anos abriu um universo de possibilidades para mim. Em função disso, me sinto muito preparado para abraçar projetos dos mais diversos tipos, com segurança e relativa competência em várias áreas. Tenho desde composições de jazz tocadas em casas de prestígio em Nova Iorque, arranjos apresentados por grandes nomes da MPB, até criações musicais voltadas à música de concerto e apresentadas por orquestras sinfônicas em vários países.


Além disso, mesmo que haja algum projeto/encomenda que não seja da minha área de maior dominância, eu tenho uma base que me ajuda a encontrar os caminhos do conhecimento e realizar.


Um exemplo disso foi uma encomenda de obra musical a ser apresentada em um concerto da embaixada da Bulgaria no Carnegie Hall em NYC. (Fotos abaixo)



Até o momento da encomenda desta composição, eu mal conhecia a tradição musical Búlgara; então, em um breve período de tempo eu fiz um processo de imersão auditiva, transcrição e análise, e então pude criar essa obra - "Especiarías Búlgaras" - que foi minha estreia como compositor em Nova Iorque em meados de 2015.


Oportunidades do universo educacional musical

Outra grande vantagem de quem passa pelo universo educacional são as oportunidades e acessos oferecidos nesse meio (assunto que discorro em mais detalhes em outro artigo aqui para o blog: Nos limites da escola de música: Quando a teoria musical pode virar um problema?).


Um exemplo disso na minha trajetória foi ser um dos 7 jovens músicos do mundo selecionados para o prestigiado workshop de arranjadores promovido pela Metropole Orkest na Holanda. (veja fotos abaixo)


Estudo de música: arranjo e produção de gravação em estúdio
Rafael Piccolotto de Lima no estúdio da Metropole Orkest na Holanda durante a mixagem das gravações realizadas durante o workshop de arranjo.

Eu só consegui essa oportunidade - de ser o primeiro arranjador brasileiro a participar dessa semana de atividades com a principal orquestra jazz sinfônica do mundo - em função do preparo musical recebido durante meus estudos musicais no Brasil e Estados Unidos.


Estudo de música com orquestra jazz sinfônica: workshop de arranjo musical.
Ensaio do arranjo de Rafael Piccolotto de Lima com a Metropole Orkest na Holanda. Maestro: Vince Mendoza, Solista: Gregory Porter.

Grupo de arranjadores para orquestra jazz sinfônica (Metropole Orkest) com Vince Mendoza
7 Jovens arranjadores do mundo selecionados para o concerto com a Metropole Orkest na Holanda, dirigido por Vince Mendoza. Solista convidado: Gregory Porter

Conclusão

O grande perigo de ser (somente) autodidata é ficar limitado pela própria visão e falta de conhecimentos. Corre-se o risco de ficar restrito a uma única maneira de fazer as coisas, a uma linguagem musical só. Isso sem falar do risco de desenvolver vícios e maus hábitos.


No final das contas, qualquer um pode continuar a aprender e desenvolver certas habilidades sozinho – como autodidata – em paralelo aos ensinamentos recebidos de grandes mestres.


Se olharmos para a estrutura acadêmica, ela é desenhada – inclusive – de modo que o aluno mais avançado se coloque na posição de pesquisador (e educador), atuando de maneira autodidata em assuntos novos. Mas, neste momento, já se tem uma base sólida que ajudará ultrapassar grande parte dos possíveis desafios.


E os seus estudos, como vão?

 

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Rafael Piccolotto de Lima - Compositor, arranjador, diretor musical, produtor musical e educador
Sobre o autor

Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.


Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).


Criadores musicais (conteúdo educacional):

Rafael Piccolotto de Lima (conteúdo artístico):
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