Será que existe algum problema em ser um músico acadêmico, de escola, conservatório ou universidade? Já parou para pensar quais são as possíveis ramificações de manter sua carreira nos limites da academia?
Este é um universo que conheço muito bem e falo com propriedade. Passei quase 12 anos no universo acadêmico, entre graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado, como professor assistente na Universidade de Miami, compositor em residência e maestro assistente no Henry Mancini Institute.
Chega a ser complicado criticar o mundo de onde eu venho, mas é interessante refletir sobre o assunto.
Esse artigo não é uma crítica a este universo, mas um apontamento aos perigos de trilhar somente por este caminho.
A importância da teoria musical - Uma questão recorrente
Uma das perguntas que eu mais recebo nas mídias sociais, quando estou abrindo uma turma nova do meu curso de processos criativos musicais, é justamente sobre a importância da teoria musical. Me perguntam se ela é realmente necessária ou se já basta tocar de ouvido, só no “feeling”.
De maneira simplista, minha resposta é que são coisas complementares e que o domínio da teoria musical é uma ferramenta poderosíssima para músicos de todo tipo.
Mas então, existe algum perigo ao se dedicar demais para o universo teórico musical?
Mais do que isso, qual o perigo – artístico e profissional – que correm os músicos que só vivem dentro do universo acadêmico?
O que acontece quando o aprendizado e o fazer musical estão na “torre de marfim” da universidade/conservatório e desconectados da sociedade e do mercado?
Apesar do universo acadêmico oferecer muitas possibilidades e talvez ser o melhor ambiente educacional, se você quer ser um artista atuante, é preciso prestar atenção para não cair em certas armadilhas.
E no caso da teoria musical, a grande armadilha é a desassociação com a fonte e com a prática; a falta do fazer musical em si.
Relação direta com a fonte
Muitas vezes é fácil ficarmos focados simplesmente na teoria, nos métodos, no que é transmitido pelos professores - um conteúdo já digerido -, ao invés de buscar a arte na fonte.
Em oposição, um autodidata, por exemplo, busca seus modelos na fonte. Ele ouve gravações e “tira de ouvido”. Vê um músico tocando e o imita. Ele não tem acesso ao conhecimento processado, direcionado e sistematizado. Ele vê as coisas e reage de uma maneira mais intuitiva.
As vezes esse processo é mais sensível do que o que acontece no universo acadêmico, onde a teoria pode acabar virando o foco principal. Nesse exemplo é possível engessar o fazer artístico e desconecta-lo de suas origens.
Dito isso, acredito que os bons educadores são aqueles que fazem as duas coisas: estimulam a busca na fonte, a usam como exemplo, ajudam a entendê-la e, através dela, sistematizam os conceitos para facilitar a assimilação.
Ambiente limitador
Quando tudo é oferecido com muita facilidade, cria-se um ambiente de falta de iniciativa. Vou trazer um exemplo que vivi e fazer uma breve comparação entre as experiências no Brasil e nos Estados Unidos.
Nos EUA, a universidade tende a ser melhor no quesito infraestrutura e organização. Quando o aluno entra, ele já tem uma série de atividades estipuladas para fazer, como participar de determinados grupos, fazer gravações, tocar em apresentações, etc. Ele simplesmente foca nos estudos, na música, e segue aquele currículo que lhe é dado. Isto vai gerar uma experiência que já é programada pelos educadores.
Mas, o outro lado da moeda é que às vezes os alunos ficam acomodadas e não desenvolvem certas habilidades necessárias para ir atrás de projetos próprios e tomar iniciativas. Isso gera um outro perigo para os músicos acadêmicos, que é a falta de “jogo de cintura”. É possível que o aluno comece a esperar que as coisas sejam dadas, organizadas e feitas por ele, ao invés de ser alguém que vai atrás das próprias realizações; que faz e acontece artisticamente.
Inclusive, conheço muitos colegas que são talentosíssimos - que foram excelentes alunos - mas que infelizmente não estão produzindo tanto depois de deixarem a universidade, justamente pela falta de iniciativa e prática em ir atrás de oportunidades para realizar.
A união de dois mundos – um exemplo
Eu acredito ser um exemplo vivo de alguém que soube aproveitar os dois mundos.
Como mencionei, as universidades no Brasil não oferecem essa programação tão definida de experiências, e por isso, desenvolvi a habilidade de criar meus próprios projetos. Durante a graduação na UNICAMP eu criei e participei de vários grupos, fui selecionado por editais municipais e estaduais para realização de projetos artísticos e sempre busquei a minha voz enquanto criador musical.
Quando me mudei para os Estados Unidos, eu já tinha esse perfil proativo e a motivação para continuar criando. Nesse momento aproveitei muito a estrutura da universidade e “suguei” tudo o que pude durante esse período. Afinal, além do que era oferecido (e cobrado), eu também fui atrás de muita coisa. Meu orientador – Gary Lindsay – brincava dizendo que ele nunca tinha tido um aluno que estivesse envolvido em tantos projetos e produzisse tanto.
Assista o vídeo abaixo com a apresentação da big band que eu montei na universidade para apresentar minhas músicas em um forum de jazz.
Ao mesmo tempo que percebo a importância dessa proatividade no meu percurso, eu valorizo muito o trabalho dos bons mestres que passaram pela minha trajetória acadêmica. Eles foram capazes de mostrar a teoria através de exemplos práticos e de me instigar a continuar crescendo. Isso, aliado à minha proatividade, me permitiu produzir e viver a música de maneira muito intensa e proveitosa. Essa história é prova de que estes riscos “de ser somente acadêmico” são relativamente fáceis de superar se formos conscientes em nossas escolhas.
Agora, no pós-universidade, trago tudo isso na bagagem e sigo ainda mais proativo nos meus projetos. Posso dizer que a facilidade da universidade não “me estragou” neste sentido, muito pelo contrário, ela me deu ferramentas para ir além!
Um conselho aos estudantes
Para concluir, devemos entender que teoria e prática podem (e devem) andar de mãos dadas se o objetivo é o crescimento e a realização artística.
Seja acadêmico sim! Estude muito, busque bons mestres, leia bons livros, participe de grupos de estudo, mas tenha consciência de que seu fazer musical não deve ficar confinado aos muros de uma “torre de marfim”. Faça, aconteça!
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Sobre o autor
Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.
Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).
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