Se para a maioria das pessoas compor uma música é um grande mistério, escrever para uma orquestra é algo mais abstrato ainda. Frequentemente, quando conto para alguém que escrevo para orquestras, recebo a seguinte pergunta: mas você escreve para todos instrumentos?
Quando eu respondo que sim, eu vejo um misto de surpresa e admiração no olhar dessas pessoas, quase a sensação de que eu sou um alienígena. Brincadeiras à parte, música talvez seja a arte mais abstrata de todas, e assim sendo, esse tipo de reação faz todo sentido!
Mas, afinal de contas, como que se compõe uma música?
Mais especificamente, como se escreve para orquestra?
Nesse artigo vou introduzir vocês a duas áreas do ensino musical que são a chave para a escrita para orquestra: instrumentação e orquestração. Através do conhecimento dos instrumentos isolados e da maneira como eles se relacionam como parte de um grupo musical, é possível escrever para qualquer instrumentista de maneira efetiva.
Orquestração e Instrumentação: Qual a diferença?
Instrumentação e orquestração são duas áreas muito relacionadas e podem ser consideradas interdependentes.
Instrumentação é o estudo das características dos instrumentos, para que se entenda o funcionamento e práticas de performance específica. Já orquestração é o estudo e o ato de escrever para instrumentos como parte de um grupo instrumental.
Um ponto chave é entender que quando falamos em instrumentação estamos nos referindo aos instrumentos isolados, as características de cada um deles. Enquanto que na orquestração, estamos lidando com a relação entre os instrumentos todos, como utilizar cada um como parte de um todo.
Instrumentação
O estudo da instrumentação é importantíssimo para a escrita musical, assim como para regência de grupos musicais que contenham tais instrumentistas. Eu discorro em mais detalhes sobre o estudo da instrumentação, clique no link a segue se quiser ler e se aprofundar: "O estudo da instrumentação e a escrita orquestral."
Também preparei um vídeo especialmente sobre esse assunto. Assista abaixo.
Além disso, o termo instrumentação também é utilizado para definir as características do grupo musical.
Exemplo:
- Qual é a instrumentação dessa obra?
- Essa obra foi escrita para quarteto de cordas.
Ou seja, a instrumentação dessa obra é: dois violinos, viola e violoncelo.
Orquestração
“Orquestrar” é ato de escrever para instrumentos específicos como parte de um grupo musical. E o estudo da orquestração é decorrente do estudo de instrumentação, quase como a parte prática deste processo criativo.
Entendemos que orquestração vem de “orquestra”, mas que não necessariamente se limita a escrita para a grande orquestra. Podemos pensar orquestração como a escrita para um grupo instrumental específico qualquer. Seja ele uma orquestra sinfônica, uma orquestra de câmara, um grupo de câmara, uma big band, uma banda sinfônica ou até mesmo uma banda ou um duo.
Um exemplo prático
Vamos observar a instrumentação de uma big Band tradicional de jazz. Ela conta com:
Sessão de madeiras com cinco saxofones: 2 saxofones alto, 2 tenores e um barítono, com possíveis dobras instrumentais; sendo a mais comum de flautas para os altos, clarinetes para os tenores, e clarone para o barítono.
Sessão de trombones com quatro trombones, sendo três geralmente tenores e um baixo, com a possibilidade de uso de surdinas.
Sessão de trompetes com quatro trompetes, dobrando flugelhorns, além da possibilidade de uso de surdinas.
Sessão rítmica com uma guitarra, um piano, um contrabaixo e uma bateria, mais a possível adição de percussão.
Baseado no conhecimento da instrumentação da big band, além do conhecimento das características e práticas específicas de cada um dos instrumentos, é possível então fazer a orquestração de uma música para esse grupo instrumental; escolher quais instrumentos vão tocar quais linhas da composição/arranjo em questão. Veja exemplo abaixo:
Dessa maneira, vale ressaltar que, geralmente, o estudo de instrumentação precede o de orquestração, quase como um pré-requisito. Foi assim comigo durante minha graduação em composição pela Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas.
Para entender melhor esses conceitos, eu sugiro você ouvir uma mesma composição tocada por grupos musicais com instrumentos diferentes, o resultado sonoro final será bem diferente. E se o orquestrador for bom, é mágico ver como uma boa orquestração dá nova vida à uma composição musical! (eu inclui um bom exemplo no vídeo abaixo, focado em orquestração)
Se você tiver interesse em entender isso na prática, no meu curso de “Processos Criativos Musicais” eu mostro como ideias composicionais se transformam em obras apresentadas por grandes grupos instrumentais, tanto através de um diário de composição, em formato de vídeo, quanto por análise de duas criações: uma para big band e outra para uma orquestra online com mais de 80 músicos.
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Sobre o autor
Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.
Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).
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