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Foto do escritorRafael Piccolotto de Lima

Qual o limite da criatividade do arranjador?

Atualizado: 21 de mai. de 2023

Você sabe o que é o arranjo de uma música? Afinal, o que faz um arranjador?


De uma maneira simplista, um arranjador cria tudo aquilo que está além do tema (melodia e acordes) e forma básica da música.



Muitas vezes, quando alguém que não é musico me pergunta o que eu faço (enquanto arranjador), eu simplifico dizendo que eu faço a “versão” da música; que eu invento e preparo as partituras de uma música já existente, dando a ela uma cara nova a ser apresentada por um grupo específico.


Vale salientar também que essa função (e uso da palavra) é muito mais comum no universo da música popular, onde o compositor geralmente cria somente o tema; uma melodia com acompanhamento de acordes e, às vezes, a letra. Neste contexto, o arranjador vai trabalhar em cima desta melodia, estrutura harmônica e forma, criando todas as partes que cada um dos músicos vai tocar. Isso independe do tamanho e tipo do grupo musical; desde um solo, duo ou trio, até grandes grupos como um coral, orquestra ou big band.



Um universo de possibilidades criativas

A questão principal desse artigo vai muito além de responder a definição básica de arranjo, mas sim pensar o arranjo nas suas diversas formas e possibilidades. (Assunto que eu aprofundo no meu curso de processos criativos musicais)


Em qualquer songbook (livro com partituras de canções), você geralmente encontra uma melodia cifrada com a letra e nada além disso. Mas, quando você ouve uma gravação dessa música, provavelmente existem elementos muito além dessa melodia e de acordes; sejam instrumentos musicais tocando partes diferentes, linhas melódicas secundárias, introdução, final, etc. Tudo isso são escolhas de arranjo!


O papel do arranjador pode variar muito e assumir diferentes formatos, desde fazer algumas escolhas simples – como as mencionadas acima – até se colocar em uma posição de “recriador” da composição, transformando e desenvolvendo a música de uma maneira extremamente livre e criativa. Tudo isso são as possibilidades do arranjador. Essas escolhas todas vão depender da circunstância, da visão artística do arranjador e do diretor do projeto musical em questão.


O espectro criativo

De um lado, temos o que mencionamos acima, que é uma simples formatação para uma performance. O arranjador vai decidir quem vai tocar a melodia, quem fará o acompanhamento, qual a será a levada, e talvez faça algum ajuste de forma, como a adição de uma introdução, solo ou final.


De outro, temos uma (quase) recriação da música. Nesse caso o arranjador pode desconstruir o tema e criar algo novo baseado nas idéias daquela música. Exemplos: variações melódicas, re-harmonizações e mudança de fórmula de compasso, além da criação de trechos completamente novos inspirados no original. São infinitas as possibilidades, basta ter conhecimento e criatividade!


Estudos de caso

Vou usar um arranjo meu como exemplo: "Ponta de Areia", um arranjo que foi premiado no concurso nacional de arranjadores promovido pelo SESI em homenagem a Milton Nascimento.


(Ouça a gravação desse arranjo feita pela Studio Jazz Band da Universidade de Miami abaixo)



Essa música tem um tema simples, quase como um acalanto. Eu escolhi essa música justamente por sua simplicidade; para que eu pudesse desenvolvê-lo de uma maneira livre e criativa.


Eu, praticamente, desenvolvi uma nova composição baseada nessa melodia do Milton. A música original está lá, no formato de citação melódica e de algumas sugestões harmônicas originais. Mas, a obra resultante do meu trabalho foi muito além e ficou bem diferente do original.


Fiz a mesma coisa, por exemplo, com a peça que me levou à indicação do Grammy Latino. Na ocasião, selecionei uma série de temas, melodias e de ideias musicais de Tom Jobim. Desconstruí e reconstruí essas ideias de outra maneira criando outras relações e significados. Fiz quase que como uma “colagem transfigurada” destas obras. O resultado foi uma espécie de mosaico musical, uma antropofagia em cima do universos sinfônico de Tom Jobim. Fui ao limite entre arranjo e composição. Algumas pessoas podem dizer que é um arranjo, outros que eu criei uma nova obra inspirada no trabalho de Jobim. Neste caso específico, eu fui nomeado como melhor compositor de música erudita por essa obra.


Outros exemplos práticos: encomendas

Nestes últimos anos, recebi uma série de encomendas da Brasil Jazz Sinfônica para concertos com artistas de renome da música popular brasileira, como Mart’nália, Vanessa da Mata, Ivan Lins, entre outros. Neste caso, eles têm uma visão artística para o concerto e eu ofereço um serviço criativo enquanto arranjador.


(Ouça abaixo a gravação de uma desses arranjos para a Brasil Jazz Sinfônica com a Mart'nália)



Felizmente, a direção da orquestra confia no meu trabalho e tenho autonomia artística para criar o arranjo. Geralmente eu recebo um direcionamento simples, como: “faça o arranjo baseado nessa versão”, com o link da gravação - “por favor faça na mesma tonalidade da gravação, escrevendo para a formação completa da orquestra”. Muitas vezes, crio introduções, conclusões, abro algum trecho da forma para solos de músicos da orquestra, e, obviamente crio todo o acompanhamento orquestral que não existia na versão original.


Eu conheço o contexto desses arranjos e o trabalho dos artistas. Então, crio algo que eu sei que vai ser bem aceito, tanto pelo cantor convidado, quando pela orquestra. Trabalho no limite do que posso ser original; até onde eu posso ser criativo e colocar minha personalidade no arranjo, mas sem correr grandes riscos de ter o trabalho reprovado pelo o artista e gerar qualquer tipo de constrangimento.


Imaginação sem limites: trabalhos autorais independentes

Em oposição, em trabalhos autorais e independentes nos quais eu sou o produtor, minha criatividade – enquanto compositor e arranjador – não tem limites. Meu Chamber Project aqui em Nova Iorque e meu trabalho com a Orquestra Urbana em São Paulo são dois bons exemplos. Nestes casos eu tenho total autonomia artística e, em função disso, tenho total liberdade para escrever da maneira como eu quiser. Ao ouvir essas criações você vai perceber como acabo sendo mais ousado e experimental na minha escrita para esses projetos.


Uma excelente porta de entrada para o universo dos criadores musicais

Entendendo o espectro criativo possível para arranjos, e que temos uma base para fazermos nosso trabalho – a composição original –, arranjos são uma excelente maneira de novos criadores musicais se aventurarem em suas primeiras obras. Eu mesmo, comecei minha jornada criativa fazendo arranjos bem simples quando eu tinha 13 anos de idade.


Sempre recebo perguntas de alunos em potencial do meu curso de processos criativos sobre qual a melhor maneira de começar a escrever. Geralmente dou essa sugestão: faça arranjos simples e, através deles, comece a entender o processo criativo musical.

 

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Rafael Piccolotto de Lima - Compositor, arranjador, diretor musical, produtor musical e educador
Sobre o autor

Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.


Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).


Criadores musicais (conteúdo educacional):

Rafael Piccolotto de Lima (conteúdo artístico):
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