Como alguém chega a ser indicado a um prêmio importante, como um Grammy? Seria merecimento ou sorte? Você já deve ter pensado sobre isso ao assistir a uma premiação, assim como eu me perguntei quando decidi seguir a carreira musical.
Mal sabia eu que esta se tornaria a minha realidade! Mas, como eu cheguei lá?
Nesse blog eu conto a história por trás desta grande surpresa: minha indicação como melhor compositor de música clássica no Grammy Latino. Divido também algumas reflexões sobre o que me levou a isso e os desdobramentos desse evento.
Se você não conhece minha história pode pensar que isso aconteceu recentemente, já com bastante experiência. Mas, a verdade é que eu ainda estava na pós-graduação na Universidade de Miami - com 27 anos - quando tudo isso aconteceu.
A grande notícia
Até hoje, este episódio me causa um turbilhão de sentimentos. Então vamos começar pelo ápice: a grande notícia!
Era um dia de gravação na Universidade de Miami. Eu estava em estúdio, frente à principal big band da instituição, trabalhando em uma música minha: "Brookmeyer Motives", inspirada no trabalho de Bob Brookmeyer. Estava de fones de ouvido com toda a estrutura montada para a gravação, extremamente focado e animado. Fizemos dois takes da música e, de repente, meu orientador entra na sala. Como de costume, eu esperava algum comentário sobre a gravação ou alguma sugestão sobre o trabalho em questão, mas ao invés disso ele me diz que tem uma notícia para me dar.
Só este fato já me causou certa estranheza, pois estávamos no meio da gravação. Sem muitos rodeios, ele pede para eu sair da sala, olha para mim e diz: "Você foi indicado ao Grammy Latino!" Fiquei atônito e pedi mais detalhes sobre a indicação. Ele me explicou que Carlomagno Araya, baterista produtor do projeto indicado, estava pela Universidade e trouxe a novidade.
Assista ao video abaixo, desta gravação que mencionei (Brookmeyer Motives).
Como a oportunidade surgiu
Um colega meu - Jeremy Fox -, que estava em fase de conclusão do doutorado e em processo de conclusão da sua tese, estava envolvido fazendo os arranjos para um projeto chamado Jobim Sinfônico, da Orquestra Sinfônica Nacional da Costa Rica. Ele iria para lá para dirigir a orquestra, junto com alguns artistas brasileiros e latino-americanos que seriam os solistas do concerto.
Com a falta de tempo em função da tese de doutorado, ele me pediu ajuda para escrever os arranjos. Ele precisava que eu colaborasse escrevendo arranjos para duas músicas, tudo em um prazo relativamente curto. O cachê era simbólico - muito baixo -, principalmente a se considerar que eram arranjos para uma orquestra sinfônica.
Eu também estava bem atarefado no meu segundo ano de mestrado e ponderei. Mas, logo ajustei meu calendário e decidi ajudá-lo. Acreditei que poderia ser um projeto interessante, do tipo que eu gosto de fazer. Ele me permitiu escolher as músicas dentro do repertório escolhido e ver quais eu tinha mais interesse. Escolhi “Chovendo na Roseira” - uma canção linda e menos conhecida de Tom Jobim - e a abertura do concerto, que era para ser um medley de Bossas Novas. Mas, quando decidi por escrever essa abertura, perguntei se poderia fazer algo um pouco diferente.
Visão artística
Contei a ele um fato sobre Tom Jobim que pouca gente sabe: ele também foi um compositor de música erudita, antes de se tornar conhecido como Tom Jobim cancioneiro. Ele foi arranjador para outros artistas, fez orquestrações, além de ter uma série de obras para orquestras. Então, apresentei minha ideia.
Já que era um concerto de Bossa Nova "sinfônico" e todos os arranjos seriam voltados para o lado popular dele, por que não fazer na abertura um tributo ao Jobim sinfônico? Ele achou a ideia interessante, compartilhou com os demais organizadores do projeto e todos toparam. Fiquei feliz que eles aceitaram minha proposta, afinal eu havia mudado a direção do que eles tinham em mente. E, no final das contas, foi isso que me levou à indicação.
Essa foi uma grande oportunidade para eu estudar um pouco mais das obras sinfônicas do Jobim, um compositor que admiro muito. Consegui acesso a algumas grades orquestrais, transcrevi alguns trechos de outras peças, ouvi repetidamente muitas obras que já me acompanhavam desde criança e acabei compondo o que ficou conhecida como “Abertura Jobiniana”. É uma peça na qual eu uso motivos melódicos e sequências harmônicas de algumas peças do Jobim, como "Canta Mais" e "Sinfonia da Alvorada". Trechos que, para mim, são simbólicos deste outro lado (erudito) do Tom, idéias musicais que me traziam um certo nível de fascinação. O resultado foi uma obra nova com todas essas “cores” do universo musical do Jobim sinfônico.
Assista a apresentação da Abertura Jobiniana pela Orquestra Sinfônica de Santo André (abaixo).
O concerto e a gravação
A música foi tocada no concerto na Costa Rica, que acabou virando álbum. Inclusive, quando isso aconteceu, eu ainda tinha uma sensação de que a peça não estava 100% do jeito que gostaria, tanto do ponto de vista da escrita, quanto de interpretação e performance. Eu cheguei a questionar se deveria ser incluída no álbum ou não. Eles insistiram que deveria fazer parte.
A Orquestra Sinfônica Nacional da Costa Rica fez um trabalho de divulgação do álbum e o inscreveram em várias categorias do Grammy Latino, entre elas a de composição de música clássica. Aliás, essa foi a categoria que mais destoava das escolhidas para incluir o projeto na disputa pelo prêmio. E foi exatamente ela - a “Abertura Jobiniana” - que recebeu a indicação.
Uma grande oportunidade que, de certa maneira, mudou o direcionamento da minha vida e me abriu uma série de portas. Isso é importante para percebermos que muitas vezes, as oportunidades vêm de onde menos esperamos. A questão é aproveita-las - as certas é claro - e dar o nosso melhor!
Sobre este assunto, eu apresento algumas das minhas experiências em outros artigos aqui para o site. Te convido a ler os textos “Transforme pequenos projetos artísticos em grandes oportunidades” e “Oportunidades musicais: você está preparado?”.
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Sobre o autor
Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.
Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).
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