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Foto do escritorRafael Piccolotto de Lima

Ensino Musical: Diferenças entre Brasil e Estados Unidos

Atualizado: 3 de dez. de 2022

Mudar de país, dominar outra língua e se adaptar à outra cultura. Estar longe da família e ciclo social construído ao longo da vida. Sem esquecer do investimento financeiro na mudança e uma série de outros possíveis custos. Tudo isso vale a pena?


A minha resposta é: depende dos seus objetivos, do tipo de música e trabalho que você quer desenvolver. Também depende da sua personalidade. Nesse artigo vou dividir um pouco da minha experiência e espero que isso te ajude a pensar se é este o caminho que você também quer seguir. Ou, talvez, só mate a sua curiosidade mesmo.



Farei aqui uma comparação sobre as diferenças do estudo musical no Brasil e nos Estados Unidos, tomando minha experiência como referência. Espero que minha bagagem possa te dar um ponto de partida, além de muito mais confiança e preparo para enfrentar o que está por vir!


Minha jornada

Vamos relembrar: fiz minha graduação na Unicamp, em Campinas. Foram 7 anos estudando Música Popular e Composição Erudita, além da Iniciação Científica. Em Miami, fiz meu mestrado e doutorado na Frost School Of Music (University of Miami).


Tendo esse roteiro em mente, primeiro gostaria de dizer que sou muito grato e me sinto muito feliz com o caminho que percorri. Ter começado meus estudos no Brasil, onde temos ótimas universidades públicas, com a possibilidade da graduação em modalidade combinada, alongando meu tempo na Universidade, foi muito proveitoso. Pude “tapar” alguns buracos que eu tinha na minha formação pré-universidade. Foi um tempo de amadurecimento e realizações artísticas no conforto de casa.


Quando me mudei para os Estados Unidos eu já estava em um outro momento de vida, com uma fundação mais sólida e mais maduro. Foi o momento em que pude focar na minha área de especialidade e desenvolver uma série habilidades extremamente importantes para meu trabalho. Pude também criar um portfólio que me orgulho e ter uma série de experiências que me fazem acreditar que estar em uma universidade norte-americana foi a escolha certa para mim.


Workshop com a big band da Universidade de Miami sob supervisão do professor convidado Vince Mendoza.

Arte vs. Técnica

Eu observei que a universidade no Brasil tende a ser mais holística. Além do estudo musical pragmático, tínhamos uma boa ênfase no lado humano do fazer artístico: questionamentos como “por que escrever”, “como a história nos trouxe até aqui”, “que caminhos trilhar”.


Posso dizer que na UNICAMP o perfil do conteúdo e dos professores é bem mesclado entre o lado artístico (filosófico), teórico e técnico. Durante a graduação tive muitas aulas que me preparam como indivíduo, como "Introdução à Filosofia da Arte", "História da Arte", e uma série de outras matérias focadas na área de humanas – além das aulas que você espera de uma faculdade de música: instrumento, rítmica, percepção, teoria musical, pratica de grupo, etc.


Já nos Estados Unidos, a mentalidade é outra – pelo menos onde estudei, na Universidade de Miami -, o foco é preparar os alunos para o mercado de trabalho, educar músicos que sejam proficientes e aptos a enfrentar os desafios musicais que o mercado musical pode apresentar. Um curso muito prático e voltado para a realização, para o "fazer".


Com base na minha experiência, sinto que no Brasil, se eu não fosse proativo e não buscasse oportunidades, eu teria produzido muito pouco. Se eu não tivesse ido atrás de grupos para tocar e eventos para participar, se eu fosse depender simplesmente da aulas, minha produção artística seria muito pequena, com chances de sair da universidade com pouca experiência. Talvez com conhecimento adquirido, tendo realizado exercícios musicais, mas pouca experiência prática e praticamente sem um portfólio musical.


Em Miami, a história foi o inverso. Não fui tão instigado a pensar sobre questões filosóficas da arte, do meu caminho e da minha voz como artista, mas fui estimulado a produzir muito, a me desenvolver por fazer, e tudo com uma ótima infraestrutura.


Sessão de gravação de big band na Universidade de Miami

Infraestrutura

Outro ponto relevante é a questão da infraestrutura. Creio que tive sorte neste aspecto, afinal a Universidade de Miami é uma das melhores – em termos de infraestrutura – para produzir. Os espaços físicos, os estúdios, os equipamentos, e a estrutura da universidade como um todo, facilita muito as coisas.


Imagina o meu choque: acostumado com minha experiência no Brasil, que se eu quisesse fazer alguma coisa, teria que fazer por mim mesmo, em grande parte através dos meus recursos. De repente eu estava em um lugar com tudo organizado e à disposição para eu produzir. Foi como uma criança entrando na loja de balinhas!


No Brasil, por exemplo, durante toda minha graduação eu tive uma única oportunidade de fazer uma gravação profissional. Isso aconteceu em uma matéria de prática de estúdio. Tínhamos quatro horas disponíveis em um estúdio da cidade - prestador de serviços para a universidade -, tempo para levar um projeto e gravar. Eu quis aproveitar essa oportunidade e fazer uma gravação com uma big band. Eu que tive que montar essa Big Band, convidar todos os músicos para participarem, organizar ensaio e etc.


Em Miami o cenário era outro. A universidade já tinha uma Big Band oficial, na realidade três! Todas com vários ensaios semanais e uma programação intensa. E eu, como aluno do curso de pós-graduação em composição de jazz, tinha uma data marcada para trabalhar com a banda a cada semestre. Dessa maneira, eu tive várias oportunidades de ensaiar e gravar as músicas que eu escrevia durante aquele período, tudo com uma estrutura completa, digna de um estúdio profissional. Aliás, cheguei a ganhar prêmios da revista Downbeat como engenheiro de áudio em função dessas gravações.


Assista abaixo um vídeo como exemplo dessas sessões em estúdio. Essa gravação - "Brookmeyer Motives" - me levou ao prêmio de melhor composição original pela revista Downbeat.



Experiência profissional durante a faculdade

Uma das grandes vantagens que eu vejo nas universidades norte-americanas - principalmente as grandes, localizadas em grandes centros urbanos - é a maneira como elas estão integradas à vida cultural da cidade. Os alunos já atuam em situações profissionais de destaque durante o curso.


A Universidade de Miami - por exemplo - tem duas salas de concerto com uma programação quase diária. Uma sala com capacidade para uma orquestra sinfônica completa e cerca de 600 lugares, e outra sala para música de câmara com cerca de 150 lugares. Grande parte da programação artística é dos recitais de alunos e concertos dos grupos da universidade (que são vários: orquestra sinfônica, banda sinfônica, coral, big band, etc). Além disso, não é raro que os alunos de destaque se apresentem (e/ou façam gravações) nos melhores espaços da cidade, como o Adrianne Arsht Center (com capacidade de público para 2.400 pessoas).


A universidade também recebe artistas convidados de renome com certa frequência - músicos que se apresentam como solistas ao lado dos alunos. Tudo isso são oportunidades excelentes e muito parecidas ao que acontece no mercado de trabalho, mas que seriam muito mais difíceis de se conseguir em começo de carreira, fora do ambiente acadêmico.


Eu, por exemplo, tive oportunidades de conhecer e trabalhar com grandes nomes da música em função dessa dinâmica de integração. A lista de artistas para os quais eu pude escrever arranjos inclui Chick Corea, Terence Blanchard, Jon Secada, Eric Owens, Bruce Hornsby, entre outros. Pude escrever para os mais diversos grupos musicais e também tive a oportunidade de atuar como assistente da Maria Schneider e Vince Mendoza durante a residência artística deles na universidade.


Assista abaixo a maior oportunidade que eu tive nesse período: um concerto gravado que virou programa de televisão, DVD e álbum.



O Brasil ainda tem um bom caminho a percorrer para transformar suas instituições de ensino em reais centros de produção artística e integração profissional, em comparação às grandes universidades dos Estados Unidos.


Quanto custa fazer faculdade de música?

Esse é um dos pontos que favorece muito os alunos das universidades brasileiras. Além da conversão financeira - dólar versus real - que é muito desfavorável para nós, o Brasil tem uma grande vantagem: universidades e conservatórios públicos e gratuitos para os alunos. Devemos valorizar muito isso! Já nos Estados Unidos, todas as universidades são pagas e as melhores são bem caras.


A Universidade de Miami - por exemplo - custa 52 mil dólares por ano! Os 5 anos que eu passei na universidade custariam cerca de 258 mil dólares considerando o preço atual (data de escrita deste artigo). Isso tudo, além os custos de vida em Miami durante esse período todo, que também são altos. Ou seja, em reais, meu mestrado e doutorado custariam, ao todo, cerca de 2 milhões de reais (incluindo os custos de vida em Miami durante esse período).


A minha sorte é que eu fui selecionado como bolsista integral e recebi uma oferta de posição de TA (Teaching Assistant - professor assistente). Em função disso, além de não pagar pelo curso, eu ainda recebia um salário que ajudava a me sustentar durante esse período.


A realidade é que é praticamente inviável estudar nos EUA para nós brasileiros, a menos que se tenha algum tipo de bolsa - o que foi o meu caso. Essa talvez seja a maior barreira que qualquer estudante de música vai encontrar se quiser estudar aqui nos Estados Unidos. Penso em fazer um outro artigo com dicas sobre esse assunto, o que você acha?


O melhor dos dois mundos

Quando minha formação holística e proativa do Brasil “encontrou” as possibilidades oferecidas pela Universidade de Miami, o resultado foi esse: um dos períodos mais produtivos da minha vida, tanto em quantidade, qualidade, quanto em desenvolvimento artístico. Como dizem os americanos: essa oportunidade foi “game changer” - o jogo mudou para mim!


No fim das contas, essas duas experiências foram muito importantes na minha trajetória. Para mim, é muit gratificante perceber o quão valioso foi ter lados complementares no meu estudo e desenvolvimento musical.


E você, vai para onde?

E aí? Minha experiência ajudou você a pensar sobre qual caminho seguir? Será que seu perfil é permanecer no Brasil ou explorar novas histórias mundo afora?


O importante é saber que não importa o caminho que você escolha, sempre vão ter vantagens e desvantagens. No final das contas, o que vale é aproveitar as oportunidades que aparecem e se colocar nas circunstâncias que te dão mais chance de ter uma carreira de sucesso. E isso tudo de acordo com seus sonhos pessoais.


E por falar em oportunidades, esse é um tema recorrente aqui no meu blog, recomendo a leitura dos seguintes artigos:

 

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Rafael Piccolotto de Lima - Compositor, arranjador, diretor musical, produtor musical e educador
Sobre o autor

Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.


Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).


Criadores musicais (conteúdo educacional):

Rafael Piccolotto de Lima (conteúdo artístico):
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2 Comments


Bastante instrutivo o seu blog. Espero de fato que ajude muita gente. Eu nem sonhava que existiam tantas diferenças. No fim, acho que, com um pé em cada mundo, você pode ir além em termos de criatividade. Cheers!

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Unknown member
Nov 22, 2022
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Pois é! Verdade. Imagino que sua experiência, da sua área no Brasil VS Estados Unidos, também deva ter sido diferente. Foi?

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