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O que se aprende nos cursos de música de uma universidade?

Atualizado: 9 de mar. de 2023

Você que sonha em se tornar um profissional da música, já se perguntou o que um curso formal dentro de uma grande instituição de ensino tem para oferecer? Será que ela realmente te prepara para uma jornada artística profissional de sucesso?


Você tem curiosidade para saber como que o currículo das universidades são elaborados? E o que fica de fora nesta fase de aprendizagem?


Eu já falei um pouco sobre o assunto no artigo “Faculdade de música, vale a pena?”, em que eu comento sobre algumas vantagens da vida acadêmica, os custos envolvidos e um mito sobre talento.


Hoje, trago uma série de outras reflexões sobre este universo que conheço bem. Afinal, foram cerca de 12 anos da minha vida dentro da universidade. Seis anos e meio em Campinas, na Unicamp, para graduação em duas modalidades - incluindo uma iniciação científica -, e outros cinco anos e meio na Universidade de Miami para mestrado e doutorado.


Tenho uma larga experiência para dividir com vocês!



A origem da palavra

Para iniciar nossa análise, vamos pensar na origem da palavra. A palavra "universidade" tem origem no latim e vem de universitas, que significa universalidade, totalidade. Acredito que esta é uma questão chave para refletirmos sobre universidade, porque nela temos a possibilidade de viver uma experiência que nos expõe a uma diversidade de coisas, à uma universalidade de conhecimento. Integramos um ecossistema educational maior, com outros cursos relacionados. É uma experiência muito diferente de alguém que aprende “na noite”, ou vem de uma família musical e faz parte de um nicho musical muito específico.


Na Unicamp, por exemplo, eu fazia parte do Instituto de Artes e convivia com estudantes de diversos cursos além da música; artes plásticas, artes cênicas, audiovisual e dança. E mesmo dentro do curso de música tinham diversas modalidades e especialidades, cada uma com um perfil de aluno (e professor) diferente: composição, regência, licenciatura, instrumento erudito e música popular. É um universo de possibilidades.


Rafael Piccolotto de Lima ao final de seu recital de formatura na UNICAMP em 2009, à frente do Coletivo Orquestral.

Os três pilares

Ao meu entender, existem três pilares que fazem a experiência em uma universidade ser extremamente positiva.


1. Professores

O primeiro pilar - que provavelmente vem a cabeça de todo mundo - são os professores e as aulas em si.


O aluno tem acesso a uma variedade de mestres que foram “creditados” pela universidade. Professores que passaram por uma rigorosa seleção para estarem ali e tem algum nível de merecimento relacionado a posição que ocupam.


Alguns podem ser melhores que outros dependendo do ponto referencial. Você pode ter suas preferências e afinidades, gostar mais de um professor do que de outro, mas todos eles têm conhecimento e gabarito para estarem na posição que ocupam.


2. Estudantes

O segundo pilar são nossos colegas, aqueles que estão estudando conosco. São eles que muitas vezes nos inspiram a melhorar. Vemos os que eles estão produzindo, conquistando, e isto nos impulsiona para frente.


Na maioria dos casos, eles também foram pré-selecionados. Por exemplo: para ingressar na UNICAMP eu passei por uma rigorosa prova de aptidão que durou quatro dias, além do vestibular normal que todos outros alunos da universidade são submetidos.


Isso tudo te coloca em um ecossistema propício para o aprendizado e para as trocas de experiências.


CARUWA, grupo de música popular de câmara idealizado por Rafael Piccolotto de Lima (2005). Sua estreia aconteceu no FEIA (Festival do Instituto de Artes) da UNICAMP.

3. Ambiente Acadêmico

Isso nos leva ao terceiro pilar, que é o ambiente acadêmico e as experiências que você vai ter lá. Esta vivência favorece imensamente o crescimento cultural e artístico dos alunos.


Por exemplo: você estará praticando seu instrumentos em uma sala em um corredor repleto de outras salas com pessoas praticando seus instrumentos, parte de um ambiente propício para o estudo; você pode participar de eventos promovidos e organizados pela própria universidade; você pode assistir e/ou se apresentar como parte de uma série de concertos realizados na instituição.


Conto aqui brevemente algumas experiências que tenho vivas na memória, dos anos que passei na UNICAMP. Participei várias vezes do FEIA (Festival do Instituto de Artes) com grupos que montei com meus colegas; nós apresentávamos nossas músicas como parte da série de concertos que aconteciam durante a hora do almoço. Na festas, que ocorriam à noite, outros grupos diferentes se apresentavam em um ambiente mais descontraído, desde grupos de samba e do choro até de funk-fusion ou rock. Essa troca era importantíssima e fazia a ponte entre o que aprendíamos nas aulas e o que acontecia na "vida real", parte da vida cultural de Barão Geraldo (distrito de Campinas onde a universidade está sediada).


GAFIEIRA CAMISA AMARELA, formada majoritariamente por alunos do curso de música popular da UNICAMP.

Cada especialidade tem seu próprio currículo

Sobre o currículo em si, o que se aprende na universidade? Depende do curso que você entra!


Se você está em um curso de composição, sua grade curricular vai ser diferente da grade de um curso de música popular ou de licenciatura, por exemplo. Temos um núcleo comum a todos os cursos com aulas de rítmica, percepção, teoria, etc. E cada curso tem as suas aulas específicas.


Enquanto compositor de música erudita, eu tive cinco anos de aula de composição em grupo, cada ano com um professor diferente. Tive um intensivo de teoria, com aulas de contraponto, harmonia tradicional e análise.


Já para me formar em música popular, eu também tive que fazer - se não me engano - quatro anos de aulas particulares de instrumento, ou seja, oito semestres. Também tive três ou quatro anos de prática de grupo e uma série de outras matérias relacionadas ao estudo de música popular e jazz.


Além disso temos uma série de matérias eletivas, que podemos escolher dentro do que a universidade oferece.


Quando sobre essas várias possibilidades, é importante entender também que cada universidade ou conservatório vai ter um currículo um pouco diferente, então não cabe generalizar e dizer que a minha experiência vai ser a mesma que a sua.


Outros passos dentro do universo acadêmico

Além da modalidade escolhida na inscrição para a gradução, também existem outras possibilidades de ensino adicional e especialização dentro da universidade: fazer uma iniciação científica, mestrado, ou doutorado. Nestas ocasiões, além das aulas padrões e suas especificidades, cada vez mais o currículo afunila e se aprofunda nas áreas escolhidas. Nesses casos, além das aulas, provas e trabalhos exigidos por cada matéria, o aluno também é responsável pela pesquisa, escrita e apresentação de uma dissertação extensa sobre um tema específico.


Rafael Piccolotto de Lima entrevista Nailor Azevedo ("Proveta") para sua pesquisa de iniciação científica na UNICAMP.

O que a universidade NÃO faz por você?

É importante entender que apesar da universidade ser um ambiente extremamente fértil para o aprendizado e preparação profissional, existem uma série de coisas que a universidade não te ensina!


É preciso pensar que, no final das contas, a universidade te dá todas essas possibilidades, mas a experiência que você vai ter - e o que você vai levar dela - depende de você. Sim, você é obrigado a fazer uma quantidade de matérias e ter notas mínimas para concluir o curso. Você sai com uma base garantida se cumprir todo o curso. Mas, o que realmente você vai ser enquanto músico, depende de você.


Quando penso em meus colegas de universidade, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, percebo que trilhamos caminhos bem diferentes após a conclusão do curso. Quando olho para minha história e para a deles, apesar de termos passado pelos mesmos lugares, nossa trajetória profissional e onde cada um chegou nada se assemelha. Tudo depende da nossa personalidade, escolhas pessoais e da maneira como cada um de nós aproveitou as oportunidades que teve.


Nesse sentido, eu vejo que a Universidade te dá uma boa base na maioria dos aspectos necessários para ser um bom profissional da música, com exceção de um: o conhecimentos e habilidade de lidar com mercado artístico. Geralmente, as universidades focam no "fazer musical", no "fazer artístico", e não em "como vender" um produto musical - assunto para outro blog!


Rafael Piccolotto de Lima preparando a gravação de um grupo de jazz na UNICAMP (2010).

O vôo é seu! Abra suas asas!

Concluo retomando o aspecto individual do aluno/artista e sua capacidade de criar.


A criação é um ato que exige iniciativa, vontade, dedicação, persistência e paixão. A universidade nos impulsiona a isso, ela cria um ambiente propício para que tudo aconteça. Mas - metaforicamente - apesar da universidade poder te abrir uma série de portas, é você quem tem que percorre-las.


Assim como um jovem passarinho quem tem que saltar da árvore para então voar, você deve fazer o mesmo. Cultive as ferramentas necessárias, abra suas asas, e então, voe!

 

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Rafael Piccolotto de Lima - Compositor, arranjador, diretor musical, produtor musical e educador
Sobre o autor

Rafael Piccolotto de Lima foi indicado para o Grammy Latino como melhor compositor erudito. Ele é doutor em composição de jazz pela Universidade de Miami e tem múltiplos prêmios como arranjador, diretor musical, produtor e educador.


Suas obras foram estreadas e/ou gravadas por artistas como as lendas do jazz Terence Blanchard, Chick Corea e Brad Mehldau, renomados artistas brasileiros como Ivan Lins, Romero Lubambo, e Proveta, e orquestras como a Jazz Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica das Américas e Metropole Orkest (Holanda).


Criadores musicais (conteúdo educacional):

Rafael Piccolotto de Lima (conteúdo artístico):
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